A humanidade está passando por uma transformação civilizacional de grande escala. Nos últimos 50 anos, ondas sucessivas de inovação tecnológica contribuíram para uma revolução digital que está reconfigurando modos de pensar e fazer, redefinindo criatividade, questionando discursos e instituições, e reorganizando construções sociopolíticas que pareciam estáveis e perenes. Avanços recentes em inteligência artificial e seu uso cada vez mais democratizado removem a inteligência humana do centro do pensamento e da criatividade. Vivemos já num mundo pós-humano, no qual o elemento humano retém importância, mas funciona como um elemento entre muitos outros igualmente legítimos: natureza, animais, máquinas e tecnologias de informação. Este novo mundo configura uma revolução epistêmica, alterando profundamente nossa concepção de quem somos, como nos relacionamos, como interagimos com o mundo, o que fazemos e como concebemos a realidade ao nosso redor. Estas mudanças estão moldando uma nova era na história da humanidade, influenciando profundamente a vida cotidiana e a sociedade.
As artes e a música não ficam imunes a essas transformações. No caso da música erudita, novas práticas e conceitos estão emergindo, mudando significativamente como a música é criada, executada, distribuída e vivenciada. Os compositores vêm usando ferramentas de notação digital e ‘digital audio workstations’ há décadas. Mas agora, com o advento e o uso generalizado das tecnologias de IA e blockchain, as ferramentas digitais estão ganhando uma agência sem precedentes e se misturando cada vez mais com os atores humanos. Mais do que substituir a criatividade humana, essas novas tecnologias permitem novas interações entre agentes humanos e algorítmicos, levando a novas formas de prática artística e criatividade. Embora a música permaneça ancorada na invenção humana, ela inclui cada vez mais várias ferramentas e processos mais-do-que-humanos, expandindo o aspecto humano para um horizonte pós-humano de práticas emaranhadas humanas e não humanas. Após mil anos de história da música erudita de tradição ocidental, dominados por modelos representacionais e estéticos, um novo regime criativo está surgindo. Este regime inclui elementos sensoriais do regime estético, mas acrescenta uma forte componente cognitiva, que não é mais vista como conflitiva com o fazer artístico, mas sim como parte integrante e criativamente comunicável no ato de performance. O nó crucial no modo estético e epistêmico de fazer arte é a mudança de percepção, o momento em que se sai da percepção estética (do paraíso da autonomia) e em que o puro olhar e escutar deve ser complementado por associações, pensamentos e tomadas de conhecimento.
Esta apresentação divide-se em três partes. Primeiro, discutirá os mil anos de história da música ocidental, focando em alguns momentos chave de transição e mudanças de direção. Em seguida, abordará práticas relacionais contemporâneas que integram som com recursos visuais, contextos cênicos e associações semânticas, questionando a ideia da autonomia da obra de arte e propondo uma (pós-)estética relacional que promove novos modos de envolvimento sensorial e epistêmico. Finalmente, discutirá possíveis vias futuras, refletindo ideias do pós-humanismo filosófico e argumentando para a importância da pesquisa artística como veículo privilegiado para a reinvenção de novos modos de fazer e pensar a música.
Paulo de Assis has developed an international profile as a researcher who combines musical practice (as a pianist of the classical repertoire experimental performer, and stage director), musicological expertise on Twentieth-century Western art music, publishing experience (as author and editor), and wide-ranging transdisciplinary interests in contemporary philosophy and epistemology. His work over the last 12 years has been devoted to artistic research: he was the PI of an ERC grant (2013-2018), is the founder and Chair of the international conference series Deleuze and Artistic Research (DARE), and is the editor of the book series Artistic Research at Rowman & Littlefield International (London/New York). He is regularly invited for keynote speeches, evaluation committees, review panels, PhD external examinations, masterclasses, concerts, and performances.
He authored three books, including “Logic of Experimentation: Rethinking Music Performance Through Artistic Research” (LUP, 2018), “Domani l’Aurora” (Olschki: Florence, 2004), and “Luigi Nonos Wende” (Wolke Verlag, 2006). As an editor, he published fourteen volumes, including “Artistic Research: Charting a Field in Expansion” (Rowman & Littlefield International), “Machinic Assemblages of Desire” (LUP, 2021), “Virtual Works—Actual Things. Essays in Music Ontology” (LUP, 2018), “Futures of the Contemporary” (LUP, 2017), “The Dark Precursor: Deleuze and Artistic Research” (LUP, 2017), “Experimental Affinities in Music” (Leuven University Press, 2015), “Emmanuel Nunes. Escritos e Entrevistas” (Casa da Música, 2011), “Luigi Nono. Escritos” (Casa da Música, 2013), and “Pierre Boulez. Escritos Seletos” (Casa da Música, 2012).
Between 2013 and 2018, he was the Principal Investigator of the European Research Council’s project “Experimentation versus Interpretation: Exploring New Paths in Music Performance in the Twenty-First Century” (MusicExperiment21), hosted at the Orpheus Institute.
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